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O valioso vaso chinês: quebrar ou não quebrar?

O amigo leitor já deve ter ouvido falar da tradição chinesa na manufatura de vasos. Essa atividade teve início ainda no Neolítico, alguns milênios antes do nascimento de Cristo.

A produção foi aperfeiçoada com o tempo. O que era simples utensílio virou obra de arte. A vida e os valores de cada época foram retratados com capricho na cerâmica, muitas vezes sobre a brilhante superfície da porcelana.

Com frequência, os jornais noticiam leilões em que colecionadores disputam essas peças decorativas, especialmente aquelas da dinastia Ming, que corresponde ao áureo período de 1368 a 1644.

Em Outubro passado, a Sotheby’s de Hong Kong registrou um recorde. Um pequeno vaso branco, com desenhos em azul, foi vendido por nada menos que US$ 21.6 milhões. É o equivalente ao preço de 1456 carros automóveis básicos no Brasil.

Agora, falemos de “razão” e “emoção”, duas das principais guias da conduta humana.

A primeira se escora na análise do real. Por meio de uma premissa, o sujeito da ação procura chegar a uma conclusão. Trata-se de um exercício que permite estabelecer relação de causa e efeito em qualquer fenômeno.

A razão nos serve para resolver problemas, tomar decisões, definir conceitos e construir uma estratégia na busca de um objetivo.

A segunda tem como base a subjetividade. Guarda relação direta com a personalidade, com o temperamento e com as memórias de vida.

Cognitiva ou intuitiva, a emoção induz ao riso ou ao choro, acende a faísca do amor ou do ódio e constitui o impulso para a fuga ou o ímpeto para a luta.

A rigor, todo grande comandante, em qualquer área, é obrigado a administrar, na mente e no espírito, o convívio complexo entre a razão e a emoção.

Alguns dos líderes mundiais mais bem sucedidos, como Mohandas Gandhi, Martin Luther King, Jr. e Nelson Mandela souberam justamente equilibrar a razão e a emoção.

Isso quer dizer que tinham noção clara de seus objetivos. Racionais, conheciam seus desafios e estabeleciam boas estratégias de luta.

Paralelamente, sabiam como encontrar motivação e manter a fé, mesmo diante das adversidades. Emotivos, alegravam-se de tentar proezas que os outros consideravam impossíveis.

Todos os três conceberam táticas inovadoras de ação política e foram capazes de animar, educar e comandar multidões.

Analisemos, agora, o caso de uma celebridade do mundo da gestão. John Francis “Jack” Welch, Jr. foi chairman e CEO da General Electric entre 1981 e 2001. Nesse período, o valor da companhia subiu 4.000%.

Jack sempre foi um homem da “razão”. Formado em engenharia química, mostrou-se um expert em todas as áreas da gestão, do planejamento industrial às finanças, da logística ao marketing.

Ao racionalizar as operações da GE, no entanto, mostrou-se muitas vezes guiado pela emoção. E nem sempre seguiu as tradições da empresa, criada em 1892, com a fusão da Edison General Electric e da Thomson-Houston Electric Company.

Welch exigia que seus gestores resolvessem problemas, sempre rapidamente. Implacável, logo substituía aqueles que não correspondiam às expectativas.

Criticado e elogiado por seu pragmatismo, não hesitou em eliminar unidades de negócio pouco lucrativas e demitir gente aos montes.

Ora, mas o que isso tudo tem a ver com os delicados e valiosos vasos chineses? Pois, convém recordar a história que ouvi de um amigo interessado no mundo dos negócios.

Numa importante corporação, havia um CEO que contava os dias para sua aposentadoria. Naqueles dias derradeiros, sua principal missão era escolher e preparar um sucessor.

Eram oito os diretores capazes de assumir a direção da empresa. No entanto, nenhum havia se destacado a ponto de garantir a promoção.

Num final de tarde de inverno, o veterano gestor convocou seu management team e, na sala de reuniões, exibiu-lhes um magnífico e caríssimo vaso Ming, produzido na época de Xuande, o imperador artista. Diante da pequena plateia boquiaberta, apresentou um desafio:

– Este vaso é um problema! Dessa forma, gostaria que todos, de alguma maneira, se posicionassem sobre a peça e suas implicações para a empresa.

Sem muitas informações, os executivos começaram a expor timidamente suas ideias. Um propôs uma mudança na cor dos adornos. Outro sugeriu uma vitrificação adicional. Um terceiro cogitou de convocar um especialista para checar a autenticidade daquele tesouro. Um quarto afirmou que era preciso transferi-lo para uma caixa-forte.

Em meia hora, estavam todos falando juntos. Alguns, tomados de cólera, ameaçavam se pegar com os colegas.

Durante a confusão, um deles pegou da parede um sabre de guerra francês, usado como peça decorativa, e desferiu um poderoso golpe contra o vaso, fazendo-o em mil pedaços.

– Se era um problema, precisava ser eliminado – justificou-se, ganhando assim o comando da organização.

Evidentemente, trata-se de uma fábula. Trata de razão e emoção, bem como do valor da velocidade nas práticas de gestão.

Sugiro ao leitor que não quebre nenhuma porcelana Ming. Pode ser demitido e condenado a pagar alguns milhões de dólares.

No entanto, convém lembrar que, metaforicamente, uma empresa precisará quebrar um ou outro “vaso chinês” se quiser sobreviver e prosperar.

Talvez, mais complexa que a arte de produzir os vasos, seja aquela de decidir quais (e quando) devem ser quebrados.

Um vaso chinês pode ser um profissional antigo e valorizado. Pode ser uma unidade de negócios. Pode ser um projeto. Pode ser uma marca. Pode ser um dogma de gestão.

Em minha empresa, tenho avaliado minhas lideranças pela capacidade que têm de equilibrar razão e emoção na hora de decidir o que fazer com os vasos chineses.

Cabe ao líder examinar sete questões quando vê na relíquia oriental uma fonte de problemas:

  1. Quais valores definem a cultura da empresa?
    2. A busca de resultados é mais importante que a manutenção de princípios?
    3. O que tem mais importância na corporação: rapidez ou consistência?
    4. Existe mesmo algum compromisso corporativo com o desenvolvimento e retenção de talentos?
    5. O exercício do poder é garantido pela força ou pela admiração?
    6. A empresa está preparada para inovar e quebrar paradigmas?
    7. Fala mais alto na companhia a voz da razão ou a voz da emoção?

Se os cenários competitivos exigem mudança, reinvenção e rejuvenescimento, os líderes precisam antes refletir sobre os pilares filosóficos da gestão.

Por meio de seu livro Capitalismo, Socialismo e Democracia, de 1942, o economista austríaco Joseph Schumpeter popularizou o conceito de “destruição criativa”.

Segundo ele, o capitalismo é, por natureza, dinâmico. Seu impulso vem do desenvolvimento de novos produtos, da renovação dos métodos de produção e transporte, do fortalecimento de novos mercados e da construção de novas formas de organização industrial.

Essas ações, lideradas pelo empresário inovador, destroem as velhas estruturas econômicas e constituem outras, capazes de manter o sistema em funcionamento.

Se esta é a ordem, convém começar esse exercício quebrando cinzeiros de plástico, cestos de lixo e copos baratos.

Por último, é bom lembrar que pessoas são bem diferentes de vasos Ming, tão ocos quanto estáticos. Cada pessoa carrega uma história singular, uma alma e um coração. E algumas são tão especiais que nem todo o dinheiro do mundo pode comprá-las.

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