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Por que a sigla RAE no nome da agência Rae,MP

Tive o privilégio e a alegria de compartilhar com Ronaldo Arthur Esperança, jovem e brilhante empresário, infelizmente falecido muito cedo, os meus primeiros passos na profissão. Dele recebi força, inspiração e a luz que, tenho certeza, continua a me orientar à frente da nossa agência, a Rae, Mp.

Meu primeiro contato com Ronaldo foi por telefone, nos primeiros dias de julho de 1988, quando eu ainda era muito jovem e fazia o curso de Publicidade e Propaganda em Mogi das Cruzes. Ele acabara de adquirir a casa construída por meu pai em Arujá —o único imóvel que minha mãe conseguira preservar —e me convidava para ir à revenda de automóveis que ele mantinha na Zona Leste de São Paulo

Sem me conhecer pessoalmente, apenas com as informações a meu respeito no contato que tinha mantido com minha mãe, Ronaldo disse-me que precisava produzir alguns anúncios dos automóveis à venda e me oferecia sociedade em uma agência de publicidade para funcionar ali mesmo, em uma sala dentro da revenda. Perguntou-me o que era necessário para começar e, diante de minha resposta titubeante sobre o valor do material necessário para dar início às nossas atividades, assinou um cheque em branco.

Fui a uma papelaria no bairro de Santa Cecília e comprei uma prancheta, uma banqueta, cola prit, caneta, nanquim, letraset, papéis sulfite, couché, schoeller e vegetal. Quando retornei, Ronaldo não só tinha reservado uma sala com também já tinha arrumado tudo, com telefone conectado, mas ainda sobre o carpete, no chão. Faltava a mesa, que eu mesmo logo consegui: levei-a com a cadeira, a prancheta e a banqueta.

No dia seguinte, já instalado, eu contava com as condições mínimas, mas suficientes, para começar a trabalhar. O que, nos meus dias de vendedor de rua, me parecera tão distante como possibilidade de conquista profissional, materializava-se, agora, de forma inesperada, de um dia para o outro. Entre contente, eufórico e fascinado, eu já podia intuir que à minha frente começava a se descortinar um novo horizonte: afinal, eu já contava então com a mesa de trabalho com que tanto sonhara. A partir desse dia eu contava com um lugar para onde ir, pela manhã e à tarde, para trabalhar, sentado à minha mesa.

Nascia assim na prática, a RAE Publicidade, quando as iniciais de Ronaldo, que além dos seus anúncios, me indicava outras de alguns amigos seus que tinham também revendas no bairro.

No início, trabalhando sozinho, eu produzia principalmente os chamados “tijolinhos” —ou anúncios de linha, de pequenas dimensões. Mas, já na primeira semana, percebi que se quisesse evoluir para algo mais ambicioso, mais elaborado esteticamente e em termos gráficos, eu não poderia continuar sozinho, fazendo inclusive o tráfego.

Levar os originais com as autorizações até os jornais tomava-me um tempo que eu poderia utilizar de forma mais produtiva —e, principalmente para esse serviço, contratei, então, um office-boy.

Depois de algumas semanas, Ronaldo veio à minha sala e me disse que poderia alugar uma casa para instalar em melhores condições a RAE Propaganda. Fiquei surpreso e temeroso. No fim de semana conversei com minha mãe e meu irmão, e eles também consideraram mais prudente aguardar um tempo maior antes de me mudar de imóvel.

Na segunda-feira de manhã, quando Ronaldo veio ao meu encontro, pensei que ele estivesse à espera de uma resposta. Disse-lhe então das minhas apreensões e que seria melhor aguardarmos um pouco mais. Ele sorriu, mas falou comigo com tal determinação, que não encontrei argumentos para não aceitar sua proposta. Tranqüilizou-me dizendo que durante seis meses pagaria o aluguel, luz, água, telefone, os salários da secretária, do office-boy. A partir deste período é que eu começaria a arcar com as despesas com o resultado financeiro da agência.

Pela manhã e à tarde, seguia a rotina da elaboração dos tijolinhs anunciando os automóveis à venda nas distribuidoras e, timidamente, começava a produzir alguns anúncios com arte, a fazer uma ou outra mala direta. Mas o tempo passava, e os resultados não eram tão animadores.

No dia em que se cumpriram os exatos 180 dias, Ronaldo me indagou se a agência já tinha condições de caminhar sozinha. Diante de minha negativa, disse que encerraríamos nossas atividades. E então lhe pedi mais trinta dias. No dia seguinte, em vez de ir para a agência, fui vender meu carro. Com o que recebi dei entrada em outro carro e comuniquei a Ronaldo que assumiria as despesas da agência naquele mês.

Apesar de toda a turbulência financeira daquele período da era Collor, fomos conseguindo alguns trabalhos e pudemos nos manter por mais três anos, findos os quais Ronaldo me disse que queria deixar a sociedade. Surpreso também desta vez, tratei de dissuadi-lo daquela decisão. Insisti para que mudasse de idéia, porque eu não via sentido em continuar sem a sua participação. Objetou que ele sairia, mas eu não. E mais: convenceu-me a ficar com a agência com uma nova razão social —MP, Marcelo Ponzoni Propaganda —,pagando-lhe 0prestações mensais de quatrocentos dólares, durante quatro anos. E assim foi feito, e a agência passou a adotar o nome fantasia de RAE, MP.

Dois meses depois, a fatalidade: Ronaldo morre em um acidente de carro aos 35 anos. No primeiro momento foi extremamente difícil para mim suportar sua partida. Eu, que ficara sem o sócio e incentivador, perdia agora o amigo mais velhs, exemplo de ser humano, referência maior de dignidade.

A partida de Ronaldo causou em mim, depois da separação da minha família ainda no início da adolescência, o segundo momento de perplexidade, de vazio e inconformidade… Mas consegui, com muita luta, fazer desses infortúnios lição de vida pessoal. Nutro permanentemente o sentimento de que, ainda em outra dimensão, ele continua meu sócio, presente na Rae, MP como uma grande estrela.

As pessoas acreditam umas nas outras quando se conhecem. Com Ronaldo, foi diferente: ele apostou em mim sem me conhecer. Era do seu feitio agir desta forma, sempre preocupado em ajudar os outros. Não deve ser por outra razão que no seu enterro havia mais de 1 500 pessoas…

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