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Os três nós da atividade empreendedora

Quando penso na sustentação de meu negócio, logo me vem à cabeça a expressão “para sempre”.

Quando reflito sobre minha missão social, isto é, sobre os profissionais e familiares que me acompanham na jornada, a palavra que se destaca é “nós”.

Desse modo, criei o termo “nós para sempre”, um conceito que traduz minha ideia de “sustentabilidade social”.

Essa elaboração mental teve início quando a Editora Saraiva me convidou para ministrar uma palestra para professores do ensino médio no interior de São Paulo.

O tema sugerido era: “desenvolvendo o aprendizado do empreendedorismo com foco na sustentabilidade social”. Assim, passei a reunir meus conhecimentos sobre o assunto de modo a dialogar com aquele público.

Normalmente, o termo que aparece cotidianamente em notícias e artigos de jornal é “responsabilidade social”.

Esse é um dos pilares da base tripla da sustentabilidade, que inclui também os fatores econômico e ambiental.

Assim, “sustentabilidade social” me pareceu um termo completo, capaz de agregar todas as ações destinadas a valorizar e desenvolver o capital humano na empresa e também fora dela.

Agora, imagine a complexidade da tarefa: como estimular professores da rede pública a trabalhar essa dimensão do ensino com seus alunos?

Aceitei o encargo justamente porque me pareceu difícil. Costumo dizer que o aprendizado no empreendedorismo se dá justamente quando temos coragem de enfrentar os mais duros desafios.

Após mastigar o assunto por alguns dias, reuni retalhos de memórias, resgatei vivências e reduzi o tema a esse conjunto simples de palavras: “nós para sempre”.

No dia do encontro, apresentei uma síntese biográfica para facilitar o entendimento dos meus postulados.

Logo que iniciei meu negócio, havia duas premissas básicas:

  • gerar recursos para a sobrevivência;
  • construir uma base sólida capaz de sustentar a evolução da empreitada.

 

Para a empresa, era fundamental que eu soubesse lidar com essas duas frentes, pensando no agora e também no depois.

 

Nessas etapa, os dilemas são muitos e cabe a cada empreendedor definir seus caminhos e suas prioridades. Essas decisões vão começar a desenhar, desde cedo, a cultura da empresa.

Vamos imaginar que o ponto de equilíbrio, com margem de 20%, seja de R$ 100 mil por mês. Este é um número hipotético, somente para que possamos ilustrar de maneira didática uma situação.

Deste valor, depende o sustento da  pequena empresa, fonte principal de recursos de vinte colaboradores e de seus dependentes.

Além disso, a companhia precisa honrar seus compromissos fiscais e  trabalhistas, bem como pagar as contas de aluguel, luz e água, entre outras.

No final do mês vem a pergunta, o que fazer com o lucro?

Nesse momento, há diversas possibilidades. Os sócios simplesmente efetuam uma retirada. Podem, no entanto, investir parte desse valor no fortalecimento da estrutura do negócio.

Outra opção é economizar todos esses recursos para constituir capital de giro e construir uma base financeira sólida, necessária a projetos futuros de expansão.

Nesse momento, a empresa começa a escrever sua história e a desenvolver uma personalidade.

Há empresas cuja vocação é serem pequenas e lucrativas para seus sócios. São rápidas, enxutas e não têm grandes pretensões de crescimento. Algumas são efêmeras. Aproveitam uma oportunidade pontual e, depois, baixam as portas.

Outras visam a um crescimento contínuo, consistente e compartilhado. Mais do que o lucro, que evidentemente é necessário, pretendem gerar inovações, atender a novas demandas e realizar o sonho dos empreendedores e dos colaboradores.

Os mais jovens costumam ser mais arrojados. Podem fazer uma grande retirada e curtir a vida ou investir altas somas numa ampliação. Eventuais perdas não os colocam fora do jogo. Por isso, arriscam mais.

O empreendedor mais maduro, com mulher e filhos, tende a ser mais cauteloso. Ele tende a mesclar a retirada, o investimento e o colchão, isto é, a reserva para qualquer eventualidade.

Sempre avaliei o cenário em cada momento de minha vida, procurando observar minhas premissas de missão, visão e valores, assunto que já abordei em vários artigos.

Não posso oferecer uma fórmula infalível de conduta, pois as variáveis são inúmeras. O que se mostra correto num caso corporativo pode não funcionar em outro.

E isso também se aplica aos professores que compuseram minha plateia. A realidade social, econômica e cultural dos alunos, por exemplo, precisa ser levada em conta no momento de se definir a pedagogia mais adequada.

Em alguns colégios, a disciplina rígida pode funcionar. Em outros, é necessário mais diálogo. Em alguns, a liberdade e a autonomia ajudam no processo educativo. Em outros, o controle é fundamental.

Gerir uma escola é, muitas vezes, como gerir uma empresa. A diferença é que a administração se estende também aos “clientes”. Os estudantes efetivamente fazem uma escola, assim como os professores, inspetores, orientadores e diretores.

Mas, por que, afinal “nós, para sempre”? A rigor, a palavra que inicia a frase é um pronome que indica um coletivo. É a famosa primeira pessoa do plural.

Uma corporação, por menor que seja, é composta por vários indivíduos. São eles que estabelecem um acordo de cooperação e, de maneira sincrônica e combinada, fazem o negócio se manter e prosperar.

Dali, retiram seu sustento. Ali, buscam realizar seus sonhos, os imediatos e aqueles que definem uma vida.

As experiências de trabalho nos marcam de forma indelével. São como tatuagens. O que construímos é “para sempre”, mesmo que troquemos de emprego ou que fechemos a quitanda para abrir uma danceteria.

Mas a palavra “nós” tem outros dois significados importantíssimos no conceito de sustentabilidade social.

Toda empresa precisa desatar “nós”, todos os dias. A cada manhã, o fio parece emaranhado e o que nós fazemos é desatar os nós. Fazemos isso das oito da manhã até seis da tarde, quando vamos desatar os nós domésticos.

Se eles não existissem, ninguém precisaria de soluções e, assim, o sentido da atividade empresarial desapareceria por completo.

Ao mesmo tempo, todo empreendimento precisa fazer “nós”, todos os dias, amarrando os segmentos da cadeia produtiva, estabelecendo relações, atando a oferta à procura.

Quando uma agência de publicidade, por exemplo, oferece uma solução de comunicação para o cliente, ela estabelece dois laços.

O primeiro é aquele da sua relação cooperativa com o anunciante, com o qual pretende permanecer ligada. O outro é do anunciante com seu público-alvo.

Esses são os “nós” que mantêm a sociedade equilibrada e que fazem a economia funcionar. Sem eles, tudo ruiria e não seríamos capazes de nos sustentar.

Empreender é, neste sentido, fazer com que “nós” desatemos alguns “nós” e façamos outros “nós”, para sempre.

Isso começou quando um antepassado nosso atou uma pedra a um pedaço de madeira, construindo o primeiro machado, capaz de auxiliá-lo a obter alimento.

Quando vai terminar? Só quando desaparecermos do planeta.

Portanto, quem quiser empreender de verdade vai precisar lidar com esses três conceitos. Terá de pensar sempre coletivamente. E, no dia a dia, terá de desatar alguns nós e fazer outros, conforme a necessidade.

Essa é nossa função. Essa é a nossa arte. É assim que nos sustentamos.

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