Imagine que, por conta de um grande desastre, o mundo perdeu seus arranha-céus, suas instalações industriais e suas estradas. Em pouco tempo, a mata nativa começa a recuperar seu espaço.
Você é um dos poucos sobreviventes. E agora? O que fazer? Como gerir a situação?
Costumo formular essas perguntas a meus colaboradores, em sessões informais de reflexão e debate, num exercício de detecção de talentos, aptidões e habilidades.
Primeiramente, convém lembrar que “saber virar-se” nem sempre depende de erudição ou de cultura acadêmica.
No decorrer da história humana, o sábio tem sido aquele indivíduo resistente, adaptável, capaz de promover a mudança a partir da compreensão de seu tempo e de seu lugar.
Também é possível estabelecer uma segmentação nesse saber.
Costumo elencar três tipos de especialistas. Eles podem ser encontrados nas mais diversas instituições, de repartições públicas a hospitais, de igrejas a grandes corporações.
Considerando que nosso hipotético cenário é de uma densa e ampla floresta, o primeiro é um grande conhecedor de cascas.
Percorrendo as trilhas úmidas, ele identifica sinais. Pode dizer se tal árvore abriga esquilos ou pássaros.
Ele sabe que a seringueira, quando cortada, verte o látex, com o qual se pode produzir borracha.
Também está ciente de que determinada casca pode ser utilizada na produção de um analgésico, e que outra rende um chá benéfico à função renal.
O segundo personagem dessa aventura é um especialista em árvores. Por isso, é capaz de escolher o espécime que dará a madeira apropriada à construção de um abrigo ou de uma ponte.
Ele sabe qual árvore tem raízes mais profundas, qual tem copa mais larga e qual pode oferecer os frutos mais nutritivos.
O terceiro ator nesse processo é o especialista em florestas. Este tem uma visão holística do ambiente.
Por meio de seu conhecimento extensivo e estruturado, ele identifica as peculiaridades do ecossistema local.
Ele sabe qual floresta pode queimar em algumas horas, qual pode gerar recursos pela diversidade e qual pode garantir a sobrevivência de seu grupo.
As corporações, muitas vezes, são como territórios inóspitos de floresta, habitados por representantes dessas três categorias.
Por conveniência pedagógica, costumo chamar esses especialistas de floresteiros, arvoreiros e casqueiros.
Segue um exemplo óbvio, mas eficaz:
Uma grande empresa que produz fitoterápicos ou papel tem seu floresteiro, capaz de coordenar macroprocessos. Ele sabe quais terras devem ser cultivadas em cada estação do ano.
O arvoreiro é um biólogo, mais especificamente um botânico, que seleciona sementes, determina procedimentos de cultivo e cuida de evitar a proliferação de pragas.
Por último, o casqueiro é um bioquímico de microscópio e proveta. Ele estuda as cascas e seivas extraídas para a fabricação de medicamentos ou derivados de celulose.
Muitas vezes, há problemas graves na relação entre esses grupos. Alguns floresteiros acreditam que podem dar conta de tudo sozinhos, que podem prescindir dos arvoreiros e até arriscam se intrometer na atividade dos casqueiros.
Lá na outra ponta, alguns doutores em detalhes têm a ilusão de que entendem tudo de árvores e até da demarcação dos lotes de plantio.
Reside aí o grande entrave ao desenvolvimento das empresas modernas. Busca-se a colaboração coletiva, horizontalizada e interdepartamental, mas esse modelo deve ter como baliza o respeito às atribuições e conhecimentos específicos de cada profissional.
O lugar do comando
A liderança estratégica guarda semelhanças com o ofício do engenheiro florestal. Um bom gestor executivo observa a propriedade de cima, em sobrevoos de helicóptero.
Ele cuida para que não ocorra uma queimada, corrige o curso de um ribeirão e estabelece um calendário de corte ou colheita.
Peço, porém, cuidado na interpretação dessa analogia. Não puxo a sardinha para o lado dos engenheiros, tampouco desvalorizo a turma de jaleco que trabalha nos laboratórios.
Especialistas em detalhes também podem, com o tempo, obter conhecimentos sobre processos, aprender sobre gestão e assumir funções diretivas nas empresas.
Em meu campo, a publicidade, não é diferente. O cabeça da empresa atua estrategicamente na conquista de clientes, gere a execução dos serviços e aplica parte dos dividendos da atividade no fortalecimento do negócio.
Na outra extremidade, encontramos o artista. Ele está focado em estilos, texturas, formas e cores. Cada pixel tem enorme significado para esse profissional.
Numa agência, o bom gestor procura estabelecer uma relação cooperativa e produtiva com o artista. Ele o informa sobre o serviço e ouve suas sugestões.
Um bom artista tem uma percepção integral do negócio. Ele sabe, por exemplo, quem encomendou o job e o público-alvo da comunicação.
Em minha vida profissional, mexi com a caneta nanquim, prospectei clientes, negociei com a mídia e formei grupos de trabalho. Portanto, transitei pelas três áreas de especialidades.
Autonomia e interação
Nesta nova era da gestão e dos negócios, o grande desafio da corporação é, portanto, constituir autonomias e, ao mesmo tempo, constituir uma interação dinâmica entre suas diversas áreas.
O sucesso depende, hoje, de um trânsito desimpedido entre o geral e o particular. E isso quer dizer que teremos de ser cada vez mais transdisciplinares.
Vale lembrar que, na vida, assumimos naturalmente esses encargos múltiplos. Somos filhos e pais. Somos reclamantes e reclamados. Somos pedestres e motoristas. Somos amantes e amados.
No mercado de trabalho, a busca hoje é também pela chamada interação dialética. Melhor trabalha quem é capaz de se imaginar na posição dos outros, sejam eles fornecedores, colegas de trabalho ou clientes.
Cabe agora retornarmos à situação apresentada no início deste artigo. Se a ideia é sobreviver na selva, grande e complexa, desenvolva a sensibilidade e apure o seu senso de localização.
Escolha o seu lugar e estabeleça uma parceria solidária com os outros sobreviventes. Liderando ou sendo liderado, seja íntegro. Não sabote. Colabore. Não crie obstáculos. Abra caminhos.