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Gestão do bom senso: a infalível

Abri minha empresa quando tinha 22 anos, no mezanino de uma agência de automóveis da Vila Carrão, na Zona Leste paulistana. Na época, não tinha experiência alguma no ofício. Havia apenas concluído o primeiro semestre do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC).

Comecei literalmente do zero, fazendo a vontade prosperar acima da insegurança. Posso dizer que o desafio não era grande; era imenso! E posso muito bem listar os motivos:

  • eu não tinha clientes consolidados, exceto a empresa de meu próprio sócio;
  • eu nada conhecia sobre gestão de processos, negociação, vendas e controle financeiro;
  • a economia brasileira era literalmente uma bagunça; com inflação galopante e planos mirabolantes que, do dia para a noite, alteravam todas as regras;
  • o mercado ainda não se encontrava devidamente amadurecido para valorizar a comunicação publicitária, especialmente no ramo de pequenos e médios negócios.

Na ocasião, eu poderia ter me paralisado. E tinha bons argumentos para não assumir o desafio. No entanto, veio-me à cabeça um pensamento de iluminação: planejar era necessário, muito necessário, mas eu não poderia perder tempo demais com isso.

Eu explico… Sem dúvida, é importante que cada projeto de vida, profissional ou pessoal, seja precedido de uma avaliação do tempo, do espaço, da oportunidade e dos obstáculos. Trata-se de exercitar a capacidade de avaliação e previsão. Sem isso, não se traça uma estratégia. É preciso, pois, analisar as próprias competências, a capacidade de entrega e a disposição do mercado para comprar o produto ou serviço oferecido.

Muitas vezes, uma empresa ou segmento tem uma necessidade, mas não está madura o suficiente para adquirir o que precisa. É o caso, hoje, da própria publicidade. Há empresas emergentes que, infelizmente, ainda relutam em anunciar. Crescem menos e perdem oportunidades porque ainda acreditam que “publicidade” é coisa de empresas ricas e poderosas. Planejam investimentos nesse setor, mas sempre protelam suas decisões.

Portanto, fechamos aqui o conceito: planejar é fundamental, mas não em excesso. Há situações que não podem ser previstas. Há segredos do empreendedorismo que somente são desvendados pela vivência.

Na verdade, o bom capitalismo é feito de riscos calculados. Nesse sistema, ninguém tem garantia de que seu negócio será um sucesso. É preciso correr atrás, inovar, criar, oferecer um produto diferenciado, conquistar o cliente e fidelizá-lo. E isso é muito bom, pois garante que a sociedade se renove e evolua. Em uma frase: “o risco gera trabalho aplicado e aprimoramento”.

Descobri isso ainda meio criança, quando me dispus a aprender tudo sobre motocicletas. Para isso, decidi desmontar a minha Yamaha LS3, dentro do quarto do apartamento. Eu tinha ciência de que poderia me atrapalhar na hora de repor as peças no lugar, mas era o risco que corria naquele processo de aprendizado.

De fato, cometi equívocos. Ao remontar o motor, por exemplo, coloquei o pistão do lado errado. Deu ignição? Sim, mas a magrela não corria, pois a mistura de ar e gasolina não se equilibrava.

Passei um bom tempo sem pilotar. Entretanto, essa saga de exploração valeu a pena. Aprendi que todas as coisas são feitas de engrenagens, que uma peça se liga a outra, e que o pleno funcionamento depende de ajuste e harmonia do conjunto. Valeu, portanto, ter corrido o risco.

De forma não tão organizada, essas ideias me vieram à cabeça naquele primeiro dia do empreendimento, enquanto andava pela salinha vazia. Decidi, então, deixar de lado a angústia da incerteza, arregaçar as mangas e me concentrar no que efetivamente podia ser feito.

Peguei um cheque de meu sócio-investidor, um empresário do varejo automotivo, e atravessei a cidade para comprar o material de trabalho. Numa papelaria do bairro de Santa Cecília, no centro da cidade, adquiri uma prancheta, uma banqueta, cola em bastão, lápis, canetas, nanquim, Letraset e papéis do tipo sulfite, couché, schoeller e vegetal. Quando terminou o dia, percebi que estava mais forte e organizado do que naquela manhã.

Isso não quer dizer, caro leitor, que eu tenha pautado minhas atitudes pela irresponsabilidade. Desde criança, ouvi meus pais martelarem alguns conceitos no campo dos princípios e valores. Posso reproduzi-los aqui, sem titubear:

  • Jamais permita que o risco assumido prejudique um terceiro. Se quiser se lançar numa aventura perigosa, faça-o só, com seus próprios recursos e responsabilidade.
  • Nunca faça aos outros aquilo que não gostaria que fizessem com você.
  • Jamais assuma uma dívida se não tem certeza de que poderá quitá-la.
  • A oportunidade costuma ter o tamanho do risco. Um pipoqueiro dificilmente terá prejuízo de R$ 100 numa tarde, mas também é improvável que ganhe mais do que isso.
  • Não há mal que perdure nem bem que não se acabe. Quando houver sol, lembre-se de comprar um guarda-chuva. Na tempestade, esteja convicto de que o tempo vai se abrir novamente. Esta é a lei da vida. Cultive o otimismo e a coragem, mas não se renda à ilusão. Não seja irresponsável.

Portanto, creio que essa é uma das lições que posso passar aos novos empreendedores. Assumam os riscos do trabalho inovador, mas não deixem de honrar compromissos, de cultivar a boa ética e de respeitar as pessoas, sejam elas fornecedores, colaboradores ou clientes.

É o que chamo de Gestão do Bom Senso. Ela se baseia no equilíbrio. Funde o espírito criativo e desbravador ao espírito prudente e ajuizado.

Por conta dessa conduta, minha empresa cresceu, e muito, mesmo com todas as dificuldades. Geramos ideias inovadoras, produzimos resultados e agregamos valor, interna e externamente. Nem por isso fizemos estragos pelo caminho. Temos baixíssimo turnover, ficha limpa nas instâncias de proteção ao trabalhador e um patrimônio de credibilidade junto aos stakeholders.

Portanto, se você quer aproveitar a onda de crescimento do país, siga essa lição. Planeje, mas não deixe de fazer. O ideal é planejar todos os dias, enquanto fazemos as coisas acontecerem. Ao mesmo tempo, cultive valores, cumpra prazos e honre seus compromissos morais e financeiros.

Ação e ousadia, mas com responsabilidade e justiça. Estes são os pilares da Gestão do Bom Senso. Tente! Você faz a oportunidade!

Marcelo Ponzoni
Edição de nov/ 2011 – Revista Gestão & Negócios

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