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Ser dono ou chefe não garante a liderança

Em meu artigo anterior, empreguei conceitos da mecânica para tratar de empreendedorismo e gestão. De modo especial, insisti na ideia de que o movimento gera equilíbrio. Isso serve para as motocicletas e também para as organizações.

Desse pensamento, brotaram algumas questões importantes:

  • Como mudar a trajetória da máquina?
    • Como adquirir controle sobre o engenho e fazer com que siga um determinado caminho?

Afinal, movimento e equilíbrio são fundamentais em qualquer sistema dinâmico, mas não geram os resultados desejados se faltar controle.

Há empresas que são velozes e equilibradas, mas que, ao longo do tempo, insistem em movimentos retilíneos, muitas vezes uniformes.

Algumas delas se parecem dragsters, aqueles carros extremamente potentes que só se deslocam em linha reta.

Dessa forma, um processo produtivo inteligente exige também controle de direção. Dobrar à esquerda ou à direita é necessário, já que dificilmente uma companhia pode percorrer a menor distância entre dois pontos. A ordem é contornar os obstáculos.

No caso dos pilotos que trafegam sobre duas rodas, é preciso estabelecer uma relação ergonômica com a máquina e compreender a relação do conjunto com os produtores de atrito, como o solo e o vento.

Para realizar um curva, portanto, não basta virar o guidão. Em geral, é preciso também inclinar o corpo na direção desejada.

No caso da empresa, tudo parece ainda mais complexo. Para estabelecer um percurso rumo à prosperidade, precisamos fazer com que os colaboradores dialoguem e troquem informações.

Se um processo exige aperfeiçoamento, temos de modificar condutas, alterar hábitos e constituir rotas até os objetivos estipulados na estratégia do negócio.

Nesse caso também é necessário que os gestores conheçam a máquina produtiva e que estabeleçam uma relação harmônica com seus vários componentes.

Convém salientar que costumamos confundir liderança com supremacia, privilégio ou autoridade. O chefe é representado como uma figura alta, ereta e inamovível.

No entanto, os que logram desenhar percursos mais inteligentes são justamente aqueles que sabem se dobrar e se inclinar, conduzindo assim sua máquina empresarial. Exatamente da maneira como procede um exímio motociclista.

Já foi o tempo em que o poder hierarquizado, engessado e estático gerava bons resultados. Felizmente, é cada vez mais rara a figura do chefe mandão e irredutível. Os últimos desses dinossauros estão enterrando suas empresas na areia pesada da dissensão interna e da obsolescência.

Convém lembrar que os jovens profissionais das gerações Y e Z buscam cada vez mais agir de forma cooperativa, estabelecendo experiências de co-criação. Eles produzem mais e melhor se são ouvidos e se suas ideias são analisadas e valorizadas pelos líderes departamentais.

Quem começa e quem toca o negócio

Em anos e anos de estrada, já cruzei com gente talhada para estabelecer novos negócios. Mostravam-se capazes de identificar oportunidades, desenvolver estratégias e ativar os meios necessários à constituição de uma atividade lucrativa.

No entanto, nem todos eles eram capazes de administrar eficientemente a organização. Não tinham conhecimentos ou habilidades para solidificá-la. Nessas ocasiões, indagava aos meus botões:

– Será que a ação empreendedora se restringe ao start-up? Ou será que empreender é também consolidar, aprimorar e inovar?

Com o tempo, percebi que os desbravadores são figuras importantes para movimentar a roda da economia. Concluí também, ao cabo de muito estudo, que o melhor empreendedor é aquele que sabe agregar valor a seu negócio por meio de uma gestão responsável e eficaz.

Particularmente, sempre estive fascinado pelo novo. Em meu quarto de adolescente, havia sempre um projeto meio maluco em execução. Fios, engrenagens e lâmpadas eram empregados na construção de alarmes e outros engenhos lúdicos.

Quando montei minha agência, o coração palpitou mais uma vez com a novidade. Logo, porém, percebi que aquilo não era brincadeira. Teria de estruturar e fortalecer meu empreendimento. E, para isso, precisaria exercitar a liderança, inspirando e motivando os colaboradores.

Eu tinha tantas ideias que necessitaria de uma legião de profissionais para concretizá-las, aperfeiçoá-las e transformá-las em produtos e serviços comercializáveis.

Acertando aqui, errando ali, descobri que liderança tem tudo a ver com inspiração. O melhor líder não ordena, tampouco ergue a voz. Serenamente, ele inspira e motiva sua equipe na busca de um objetivo.

O líder de verdade nunca é um embromador ou um manipulador. Ele é claro, reto de caráter e sabe identificar as aspirações do grupo. O melhor líder é capaz de conciliar e compartilhar. Ele combina os objetivos corporativos com aqueles de cada colaborador.

Depois de comandar uma agência de publicidade por 23 anos e de estudar o tema à exaustão, posso emitir uma sentença:

– Liderança depende de admiração!

Posso dizer também que a admiração é conquistada quando a liderança se baseia na reciprocidade. O líder autêntico devolve ao grupo aquilo que dele recebe, numa troca permanente.

O exemplo dos pais

Amigo leitor, sugiro que examinemos a vida em família. Em geral, consideramos que nossos pais são verdadeiros heróis. Desde cedo, percebemos que eles nos cobrem de cuidados e carinhos, sempre de forma incondicional. Um pai (ou uma mãe) é capaz de trocar sua vida pela do filho, se necessário.

Com o tempo, essa entrega gera em nós um sentimento de admiração e confiança. Nas relações profissionais, não é diferente. Admiramos aqueles que estão na empresa para servir os demais e oferecer exemplos de disposição, tolerância e generosidade educativa.

Aqueles que assim procedem logo se tornam líderes, sem imposições, sem pressões, sem que necessitem de salas majestosas ou de gravatas importadas.

Lidera quem dá o norte. Lidera quem é seguido, sem que os seguidores sejam estimulados pelo chicote. Permitimos, pois, a liderança real àqueles que admiramos, àqueles que nos inspiram, àqueles nos quais confiamos.

Lidere-se para poder liderar

Se você deseja ou precisa liderar, reflita sobre os atributos do bom comandante. Em seu navio, ele é capaz de conhecer a máquina física e também seu corpo de tripulantes.

Ele está sempre atento às mudanças meteorológicas e sabe identificar ameaças. Diante de cada situação, ele assume o leme e altera o curso da embarcação. Assim, pode desviar-se de um iceberg ou aproveitar os ventos e as marés para chegar mais rapidamente ao destino.

O bom capitão lidera se tem admiração e respeito por si próprio. Ele constitui sua autoridade sem tirania, detectando seus defeitos e procurando corrigi-los. Ele é 100% líder se é 100% verdadeiro consigo mesmo.

Muita gente ainda acredita que liderar é muito fácil. Consideram que basta cobrar, mandar, impor, forçar, ameaçar e castigar.

Profissionais que seguem esse script vivem reclamando. Para eles, ninguém serve. Todos são vagabundos, preguiçosos e incompetentes. Esses chefes infelizes vivem se lamuriando e justificam suas vilanias como necessárias à manutenção do controle.

Não raro, esses falsos líderes arruínam suas empresas e acabam respondendo a processos na Justiça do Trabalho, acusados de assédio moral.

Por isso, comece agora mesmo a rever suas atitudes. Teve um ataque de nervos? Avalie as razões desse desequilíbrio. Exercite o que os filósofos chamam de projeção dialética. Transporte-se imaginariamente para a alma de seu comandado e analise seus motivos e argumentos.

Treine para ser mais paciente. Uma palavra mal colocada pode destruir uma excelente relação de trabalho. Saiba que o destempero de um chefe é capaz de traumatizar e desmobilizar toda uma equipe. E, muitas vezes, esse mal não pode ser remediado.

Não é fácil assumir erros. Tampouco é tarefa tranquila mudar hábitos e eliminar vícios. Mas o pior é não tentar. Se você quer mesmo conduzir uma máquina possante, aprenda mais sobre ela e constitua um repertório de movimentos. Mais uma vez vale a dica de ouro: incline-se para fazer a curva.

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