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O empreendedorismo e a mecânica de motos

Aos 10 anos de idade, num fim de semana chuvoso, desmontei pela primeira vez uma motocicleta. Aquela Yamaha azul me fascinava. Sobre ela, percebia que a energia gerava movimento e, consequentemente, garantia-me equilíbrio sobre duas rodas. Esse fenômeno enchia minha cabeça de indagações.

Naquele domingo calmo no Bom Retiro, os conjuntos de peças jaziam pelo chão, isolados uns dos outros. E o cenário meio fantástico e meio assustador da dissecação me exibiu a essência formidável dessas máquinas, às quais certamente estarei ligado até o último dos meus dias.

O tempo passou e meu interesse por mecânica só aumentou. Após conhecer o básico, quis aprender a dar alta performance àqueles motores. Desde pequeno, as corridas me faziam vibrar, até aquelas de velotrol nas ruas do bairro. Portanto, interessava-me descobrir as relações entre a mecânica e a boa sensação proporcionada pela velocidade.

Um dia, quando eu contava 16 anos de idade, meu irmão resolveu celebrar em casa seu ingresso na faculdade de Medicina da Santa Casa. De repente, uma de suas amigas intelectualizadas me cravou a famigerada pergunta:

– E você, Marcelo, o que vai ser quando crescer?

E, sem titubear, respondi:

– Vou ser engenheiro mecânico. Adoro motores e tudo que se move.

Ela fez um momento de silêncio, mirou-me nos olhos e disparou outra pergunta:

– Você já pensou em se tornar publicitário?

– O que faz esse sujeito? – indaguei.

– Trata-se de um profissional que serve às empresas, otimizando a comunicação com os consumidores, utilizando diversos recursos audiovisuais – sentenciou a moça, como uma enciclopédia.

Enquanto eu pensava no assunto, ela justificou sua sugestão:

– Você é muito comunicativo e inventivo. Fará sucesso nessa área.

Na hora, considerei um conselho interessante. Mas logo estava novamente entretido com meus motores, que eu montava e desmontava dentro do apartamento, para desespero de minha mãe.

A vida seguiu e arrisquei trabalhar como vendedor; primeiramente, na área de vestuário; depois, no setor de embalagens. Certo dia, a fábrica de papelão decidiu produzir displays publicitários e fez a comunicação cruzar novamente o meu caminho. Pedi para apresentar a mercadoria nas agências. E, assim, fiz minha estreia, como visitante, no meio em que faria carreira.

Em seguida, passei no vestibular e matriculei-me num curso de publicidade. Pouco depois, o destino me colocou diante do dono de uma loja de automóveis, jovem empreendedor que desejava montar em suas instalações uma agência especializada em anúncios para o segmento.

Aproveitei a oportunidade e estabelecemos uma sociedade. Nossa sede ocupou o exíguo mezanino daquele ponto comercial, na Vila Carrão, um simpático bairro paulistano do lado leste da cidade. Eu mesmo adquiri nossos móveis e equipamentos, procurando fazer o melhor uso possível dos escassos recursos disponíveis.

Neste ponto, você, leitor, deve estar se perguntando: mas o que tem a mecânica a ver com isso?

E eu explico. No start-up do projeto empresarial, vieram-me à mente, de modo automático, vários conceitos da Física e, mais especificamente, da mecânica.

Veja que interessante. Se alguém montar numa moto parada, não conseguirá se manter em pé. Precisará de um apoio extra no solo. No entanto, isso não ocorre se ela estiver em deslocamento. Aliás, “moto”, em latim, é justamente o termo que designa movimento.

Sem querer ministrar aqui uma aula de Física, vale dizer que a máquina se mantém em pé pelo chamado efeito giroscópico, ou seja, aquele produzido pela rotação das rodas. É o mesmo que vemos quando rolamos uma moeda, em pé, sobre uma superfície plana qualquer.

Apliquei esse conceito ao meu pequeno negócio. Eu precisaria gerar energia e movimento contínuo para que ele ganhasse equilíbrio e se mantivesse em pé. Eu saberia que tudo funcionava nos conformes se visse tremulando a minha humilde bandeira corporativa.

Hoje, vem à mente a imagem de um motor de combustão 2T (dois tempos). Trata-se de um sistema movido a gasolina, muito simples. Tem um elemento denominado pistão, parecido com um copo, que sobe e desce dentro de um cilindro. Ao erguer-se no tubo lacrado, ele pressiona o ar misturado com gasolina e óleo 2T. Quando atinge o topo, a vela de ignição pisca e a explosão controlada empurra o pistão para baixo.

Para resumir, trata-se de um ciclo de admissão, compressão, expansão e exaustão de gases. Nas descidas do pistão, o ar pressionado é liberado pelo escapamento. Enquanto houver combustível, o motor funciona sozinho, ou seja, sem necessidade de um aporte adicional de energia. Esse engenho transmite energia às rodas e faz a alegria de pilotos de competição, easy-riders e atrevidos motoboys.

No caso da jovem empresa, essa força motriz estava representada pelo próprio Marcelo. Eu subia e descia, corria de um lado para outro a fim de manter aquela bandeirinha tremulando. Se me detivesse por um segundo que fosse, ela caía na vertical. E havia dias em que minhas forças não eram suficientes para fazê-la expor horizontalmente minha marca.

Comecei, então, a imaginar meios de organizar componentes que me auxiliassem a manter o “moto” da empresa. Nas magrelas velozes, havia pistão, cilindro, escape, biela, sistema de transmissão e coisas girando. Na empresa, havia prospecção de clientes, atendimento, criação, distribuição na mídia e mensuração de resultados. Se esse processo se completava, a empresa se mantinha em movimento.

Uma moto se alimenta de gasolina. Uma companhia precisa se nutrir de capital. Por muitos anos, a “gasolina” de meu empreendimento era emprestada. Eu pagava juros. Corria, vendia, fazia, orava, chorava, pagava mais pelo aluguel do dinheiro, conquistava clientes, entregava, orava, chorava, planejava, executava e inovava. Sem parar, sem parar…

Vale dizer que uma moto pode se deslocar sem motor ladeira abaixo. No caso de uma empresa, não existe esse benefício da gravidade e da geografia. Cada movimento exige energia do empreendedor e de seus colaboradores.

Com o tempo, descobri que eu era mais um na grande família dos empreendedores-gestores. Os primeiros surgiram lá no remoto Neolítico, no momento em que os humanos abandonaram o nomadismo. Esses sujeitos corajosos estabeleceram a agricultura e a criação em confinamento. Além disso, constituíram redes de trocas comerciais, constituindo a ideia de clientela.

Lá nos fundos da história, também, era preciso manter o movimento contínuo. Se a terra não fosse arada no tempo certo, por exemplo, as sementes não germinariam. O resultado seria catastrófico e colocaria em risco a sobrevivência de todo o clã.

Portanto, esta é a primeira lição que um empreendedor deve aprender. Entenda a mecânica de seu negócio. Reúna os componentes apropriados. Estoque combustível. Gere movimento contínuo. Faça com que sua bandeira tremule, sempre.

Hoje, meu veículo corporativo é mais veloz e tem boa autonomia. Trata-se de uma agência movida por 70 pessoas, capazes de atender às demandas de qualificados clientes nos mais diversos setores.

No entanto, ainda trabalho para aprimorar minha engenhoca, um labor que (felizmente) não tem fim, e que me oferece desafios diários.

Em outras colunas, trataremos com mais minúcia destes assuntos. Aliás, o efeito giroscópico tende a mover as coisas para frente, numa determinada direção. Como fazer para que o veículo vire à direita ou à esquerda? É desse mistério que falaremos em um próximo artigo.

Marcelo Ponzoni é publicitário, empreendedor e colecionador de motocicletas.

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